“As ferrovias estão ao nosso alcance”, afirma presidente da ACIC
O agronegócio em Santa Catarina representa 30% do PIB estadual e contribuiu com 70% das exportações. Santa Catarina é o maior produtor brasileiro de suínos e detém a vice-liderança na produção de aves. A insuficiente produção catarinense de milho e farelo de soja para alimentar a agroindústria da carne obriga o Estado a importar cerca de 5 milhões de toneladas do centro-oeste brasileiro e, suplementarmente, do Paraguai e da Argentina – com imensas despesas com o transporte rodoviário.
Uma solução para reduzir os custos com transporte é a construção de ferrovias. Para
estimular investidores a se interessarem pelo ramal da Ferroeste entre Chapecó e Cascavel, um
grupo de entidades catarinenses – Sindicarne/Acav, Acic, CEC, Faesc, Fiesc, Facisc e Ocesc,
além da ABPA – desembolsou R$ 750 mil para pagar um estudo de viabilidade econômica, técnica
e ambiental para demonstrar as condições do empreendimento.
Nesta entrevista, o presidente da ACIC, Lenoir Antonio Broch, explana sobre a
importância das ferrovias para a região oeste e para todo o estado.
Há 40 anos o grande oeste catarinense clama por ferrovias: a norte-sul (ligando SC
com o centro-oeste do Brasil) e a leste-oeste (ligando a região produtora com os Portos
catarinenses). Qual foi o avanço concreto dessa campanha?
Acredito que a partir do novo marco regulatório (MP 1065/21) adotado pelo Governo Federal e o Ministério dos Transportes, podemos comemorar a oportunidade dada à iniciativa privada, ou conjuntamente com o Estado, de desenvolver e implementar novos projetos de transporte ferroviário por autorização. Foi em função dessa oportunidade que nos unimos em oito entidades para promover o estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental (EVTEA) e, no caso da ACIC, com a preciosa contribuição do Núcleo das Cooperativas, que ajudou a patrocinar o estudo. Esse estudo mostrou que é possível e viável desenvolver um fantástico projeto de transporte ferroviário.
Em rápidas palavras, qual é a concepção (traçado, trajeto, extensão, custo etc.)
indicada pelo estudo de viabilidade patrocinado pelas entidades empresariais?
A concepção será de uma ferrovia moderna que atente para as questões de viabilidade
econômica, social e ambiental. Serão mais de 1.500 km ligando desde Maracaju (MS) até
Cascavel (PR), Paranaguá (PR), Chapecó (SC) e Foz do Iguaçu (PR). O custo total aproximado e
estudado é de R$ 35,8 bilhões, sendo que para SC a ligação com Maracaju será de extrema
importância, pois ligamos a produção ao consumo com custos reduzidos em torno de 28% no
transporte. A ligação de Chapecó com Cascavel por um ramal de 263 km é considerada visceral e
por isso as entidades se cotizaram para patrocinar o estudo.
Ao contrário do que falam alguns desinformados, as duas ferrovias não são
concorrentes, mas complementares. Ou seja, as duas são necessárias para o
desenvolvimento de Santa Catarina?
O Brasil tem necessidade de ferrovias. O que já foi de extrema necessidade. Agora é
urgente. Não é cabível sequer mencionar contrariedade. Muito menos dizer absurdos sobre a
viabilidade. É como dizer que rodovias são concorrentes entre si. Esse discurso, além de
ultrapassado, ofende a sensibilidade de quem sente a importância desse empreendimento, pois
além de necessário é uma questão de sobrevivência da região sul. A nossa ligação com as áreas
de produção, buscando alimento, e com os portos, viabilizando a redução do custo de exportação,
aumentará consideravelmente a eficácia das operações, aumentando sobremaneira a
competitividade do nosso produto acabado dentro do Brasil e fora dele.
Os empresários do agronegócio afirmam que se não for construída a ferrovia norte-sul as agroindústrias de aves e suínos se transferirão para o centro-oeste do País. Não há
exagero nessa afirmação?
Óbvio que não é exagero. Estamos tão atrasados que isso já ocorre há mais de 30 anos. O
Paraná já nos ultrapassou na produção de frangos e logo nos superará na produção de suínos. O
MS já compete com SC na produção de carnes e passou a utilizar milho e soja na produção de
combustível e energia. O desinvestimento e baixo interesse em novas plantas para
industrialização dos nossos produtos já ocorrem faz muito tempo. Sabemos que condições
climáticas, novas tecnologias e principalmente da mão de obra retardam esse processo. Diria que
o clima já foi resolvido com a própria climatização. Agora resta superar o problema da mão de
obra. O sistema cooperativo de produção e a união de forças para superar as dificuldades tem
mantido as plantas existentes e melhorado nossa industrialização. Mais uma vez o Grande Oeste
mostra suas competências desenvolvendo equipamentos e automação, buscando mitigar outros
custos existentes. Nossa indústria, novamente, se abre para apoiar ideias e produtos que
viabilizam sua sobrevivência e lhes permitam manter-se competitivas, apesar da desigualdade e
dificuldades com a logística.
As agroindústrias do oeste fazem mais de 100.000 viagens por ano para buscar no
Brasil Central os grãos (milho e soja) necessários para alimentar os vastos plantéis de
aves, suínos e bovinos de SC. O custo ambiental e econômico dessa operação já não é
motivo suficiente para justificar o investimento?
Todos os custos dessa operação já são mais que suficientes para justificar os investimentos
necessários, inclusive com apoio dos Estados e da União. Somos um país de dimensões
gigantescas e continuamos lidando com uma infraestrutura de péssima qualidade, de
características ultrapassadas e que prejudica negócios e desenvolvimento industrial. Se os
governos pretendem recuperar o nosso parque industrial e otimizar investimentos devem começar
por não dificultar as operações possíveis de serem feitas com capital de terceiros (simples). É incompreensível e inadmissível que tenhamos, ao longo de nossa história, tantas dificuldades,
criadas pelos nossos próprios governantes, pelos nossos políticos, que criam dificuldades pelas
próprias disputas entre si. Cem mil viagens com uma distância média de 4.500 km de estradas
malconservadas, sendo 50% das distâncias operadas com as carrocerias vazias, é a maior
demonstração de nossas dificuldades.
Por que as lideranças políticas da capital do Estado têm dificuldade em compreender
o drama logístico que o grande oeste enfrenta, com rodovias em más condições e a
inexistência de ferrovias?
As lideranças políticas se preocupam com política e políticos. Nós nos preocupamos com
sobrevivência e resultados nos nossos negócios. A dificuldade não está em compreender ou não o
problema, mas em valorizar demais as suas posições, prejudicando sobremaneira nossa
sobrevivência. A comunidade precisa reagir a essa histórica forma de estender tapetes vermelhos
a políticos que não defendem seus reais interesses. Não precisamos generalizar, pois temos
políticos de fato preocupados em promover essas bandeiras desenvolvimentistas, práticas e
factíveis. Mas temos que lidar, infelizmente, com uma grande parcela que não se atenta para
nossas dificuldades. É preciso que se unam à sociedade na busca pelo crescimento sustentável e
pela sobrevivência das nossas indústrias do Grande Oeste em benefício dos catarinenses como
um todo.
Não existe a possibilidade de uma ferrovia norte-sul “esvaziar” o movimento nos
portos de Santa Catarina, como temem alguns dirigentes?
O temor ao novo é típico do atraso. Quanto antes tivermos ferrovia para minimizar nossos
custos logísticos e portos preparados para receber de fato navios de grande porte que possam
receber nossas cargas, melhor para nossa competitividade. Sabemos muito bem que a eficiência
dos nossos portos também é questionável e se não acordarmos e nos mobilizarmos enquanto
categoria, cada vez mais será evidente nosso atraso. Santa Catarina evoluiu e se desenvolveu
graças ao seu povo e a sua vontade de evoluir. Nossos dirigentes devem, de fato, mudar em
benefício da sociedade.
Não há perspectivas de o Governo Federal realizar essas obras ferroviárias. A
alternativa é a privatização, via leilão e PPP (parceria público-privada)?
Na minha visão a iniciativa privada deve ter a oportunidade de explorar essa possibilidade
em benefício das indústrias e do consumidor que será sempre o maior beneficiado. Mas é hora de
permitir que seja feito, ou perderemos mais uma vez a oportunidade de crescer com maior
facilidade.
Nesse caso, a presença de capital internacional seria bem-vinda?
A presença de capital internacional já faz parte da natureza das negociações mundiais. A
Europa, parte da Ásia e Estados Unidos fazem isso há muito tempo. O protecionismo exagerado
nos coloca sempre na zona de terceiro mundo. É isso que somos e estamos fazendo em matéria
de logística.
O Senhor tem sido a principal liderança empresarial na defesa do projeto das
ferrovias. Qual é, atualmente, seu grau de confiança na conquista desses
empreendimentos?
Nossa entidade, ACIC, tem sido líder desse movimento pela iniciativa e por estar
geograficamente no centro da luta pela melhoria proposta, mas absolutamente não estou só.
Represento o desejo da grande maioria das pessoas do nosso estado e temos mais sete
entidades empresariais que nos abraçam nesta causa: FACISC, SINDICARNE, ABPA, CEC,
OCESC, FAESC e FIESC. Tenho convicção de que essa realidade está ao nosso alcance e que
somos capazes de fazer acontecer. Estou certo de que cada dia perdido é prejuízo, para nosso
estado principalmente. Somado a tudo isso, temos um enorme senso de responsabilidade sobre o
futuro da nossa região.
19/06 • 11h17